Projeto lançado neste ano está presente em 325 escolas estaduais de Ensino Médio e será expandido para o Ensino Fundamental no próximo ano
A luta antirracista e a valorização da cultura afro-brasileira ganharam força na educação tocantinense com o lançamento do Projeto Poder Afro, promovido pelo Governo do Tocantins, por meio da Secretaria de Estado da Educação. Lançado em junho deste ano, o projeto tem o objetivo de fortalecer estratégias de combate ao racismo nas escolas, fomentando o respeito às diferenças e a inclusão do debate identitário no contexto escolar.
Com investimento de R$ 20 milhões, o Projeto Poder Afro está presente em 325 escolas nos 139 municípios, e tem a meta, inicialmente, de impactar cerca de 60 mil estudantes e mais de cinco mil professores das unidades escolares estaduais que ofertam o Ensino Médio no Tocantins. O material do projeto será entregue para o Ensino Fundamental ainda neste ano para ser trabalhado no próximo ano.
O secretário de Estado da Educação, Fábio Vaz, destaca que o Poder Afro é o início de uma grande transformação na educação. “No nosso estado, 76,6% da população tocantinense se declara negra ou parda, então nós temos que voltar os nossos olhos para uma educação que contemple e valorize os nossos estudantes. Então, proporcionar uma educação que conscientize sobre as desigualdades históricas e sociais, ajuda a desconstruir preconceitos e prepara os estudantes para uma sociedade mais justa”, completou.
Poder Afro nas escolas
Além da formação para os profissionais da educação, o material “Minha África Brasileira e Povos Indígenas”, também foi distribuído para todas as escolas estaduais de Ensino Médio para auxiliar no ensino de história e culturas africana, afro-brasileira e indígena.
Com o suporte do material, as unidades escolares puderam desenvolver diversas ações voltadas para a promoção da igualdade racial, entre elas o projeto “Escravo nem pensar!”, desenvolvido na Escola Estadual Serra das Cordilheiras, em Colméia do Tocantins, pela professora de História, Maria do Desterro de Oliveira Gomes.
“Trabalho com os estudantes esse tema há 25 anos. É um projeto voltado para o combate ao trabalho escravo contemporâneo no contexto do Tocantins. Então fazemos muitas pesquisas, produção de textos, eventos culturais e também visitas às comunidades quilombolas. Então o Poder Afro veio somar com o nosso trabalho, pois agora temos material específico para trabalhar e com o direcionamento da Seduc”, destacou a professora.
O estudante da 2ª série do Ensino Médio, Lucas Rodrigues, conta sua experiência com o projeto. “Entendo que não preciso ser negro para lutar pelo direito dos negros. Nesse sentido, o projeto nos ajuda a termos essa percepção de que realmente não basta não sermos racistas, precisamos ser antirracistas”, destacou o estudante.
Em Almas, cidade do sudeste do Tocantins, região com a maior concentração de comunidades quilombolas do estado, a Escola Estadual Dr. Abner Pacini trabalha o Poder Afro de forma estratégica, combinando a utilização de filmes e leituras. “Esses recursos são escolhidos para enriquecer a compreensão dos alunos sobre a cultura afro-brasileira. Os filmes ajudam a ilustrar realidades e narrativas, enquanto a leitura aprofunda o entendimento sobre as influências culturais, o protagonismo e as contribuições do povo afro-brasileiro. Dessa forma, buscamos proporcionar aos estudantes uma vivência enriquecedora e plural, contribuindo para o fortalecimento da identidade e do respeito à diversidade”, destacou a diretora da unidade escolar Marizete Cardoso.
A estudante da 1ª série do Ensino Médio, Tainara Pereira de Sousa, enxerga o Poder Afro como uma virada de chave para o fortalecimento da cultura negra no Tocantins. “Eu penso que a inclusão do Poder Afro no currículo da escola é uma ação de grande relevância para a valorização da cultura afro-brasileira, porque ajuda a combater o preconceito através de atividades que levam os estudantes a conhecer melhor a cultura. Só entendemos melhor quem somos quando sabemos de onde viemos”, reforçou a estudante.
Escola Que Transforma
O Prêmio Escola Que Transforma foi realizado pela primeira vez em 2023 com o objetivo de valorizar ações transformadoras realizadas nas unidades escolares. Neste ano, em consonância com o Poder Afro, a Seduc incluiu o eixo “Africanidade” como forma de reafirmar a importância dos projetos voltados para educação racial.
O resultado do prêmio, divulgado na última segunda-feira, 18, trouxe como um dos vencedores o projeto multidisciplinar “Narrativas de letramento racial tendo a musicalidade afrodescendente no Brasil”, que utiliza a música como forma de facilitar a compreensão do estudantes sobre o tema de fomentar neles o senso crítico.
Elaborado pela professora Simone dos Santos Oliveira Rodrigues, da Escola Cívico-Militar São José Operário, de Paraíso do Tocantins, o projeto tem o objetivo de promover uma cultura de paz na escola por meio da africanidade. “Tenho 22 anos de sala de aula e esse tema sempre foi a minha prática pedagógica. Com a integração do letramento racial e da análise de músicas, tento desenvolver a empatia, o respeito, a compreensão entre os estudantes, desconstruir preconceitos e estereótipos”, destacou.
A professora, efetivada no último concurso da Educação do Tocantins, expressa sua alegria pela aprovação do projeto. “Gratidão por ter tido a oportunidade de participar de um concurso tão importante para nós educadores falando de um tema que por muito tempo, foi esquecido ou mesmo escondido porque, afinal, é mais fácil dizer que não somos racistas. Ver que tivemos êxito no projeto é um momento único que guardarei na memória e na minha caminhada. Gratidão por tantos homens e mulheres negras que me ajudaram a chegar aqui, um pequeno passo porém de uma relevância enorme”, completou Simone.
Reforço para o Enem
Os estudantes da rede estadual de ensino saíram na frente no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024. Isso porque, além dos aulões intensivos de preparação para a prova, o exame teve como tema da redação “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, assunto tratado pelo Poder Afro.
O estudante da 3ª série do Ensino Médio, da Escola Estadual Professora Elizângela Glória Cardoso, de Palmas, Augusto Miguel Cardoso, revela que o tema foi oportuno tanto para a causa quanto para quem tem a oportunidade de ter esse conteúdo em sala. “Achei o tema totalmente condizente com o nosso cotidiano, e foi fundamental para mim as aulas de sociologia, dentro do que aprendemos sobre os conceitos de democracia racial. E é importante essa participação ativa dentro do nosso ambiente escolar, enquanto pessoas negras protagonistas”, destacou o estudante.
O professor de sociologia da mesma escola pontuou que o trabalho em sala é fundamental para que os preconceitos sejam quebrados. “Estamos falando de um novo processo de justiça social e justiça racial que está sendo desenhado nos currículos das escolas do Tocantins. A partir do momento que os jovens tomam conhecimento de articulações conceituais, eles conseguem perceber que o racismo está por todos os lados, mas agora eles têm um vocabulário para verbalizar esses acontecimentos sociais. Depois do Enem, vários estudantes chegaram agradecendo pela formação específica, que ajudou muito na hora da prova. Tem sido um retorno bem positivo e a continuidade é necessária, é um processo de longo prazo”, completou o professor.
Na região sul da capital, a estudante da Escola Estadual Liberdade, Bruna Rodrigues Alves, da 3ª série, explica que o Poder Afro ajudou na argumentação da prova. “O projeto me ajudou a desenvolver a redação, principalmente com relação à cultura na cultura. Por exemplo, as tranças que hoje em dia têm se destacado mais no meio do nosso povo negro, foi um dos meus argumentos. Então, acredito que o Poder Afro tem muita relevância, pois quanto mais pessoas souberem a história africana melhor para o empoderamento da cultura afro-brasileira”, destacou a estudante.
Dia da Consciência Negra
O dia 20 de novembro é celebrado no Brasil como o Dia da Consciência Negra em alusão à data da morte de Zumbi dos Palmares, um dos símbolos nacionais pela resistência à escravidão e enfrentamento ao racismo.
Em 2023, a data passou a ser feriado nacional pela lei 14.759/23, norma aprovada após a elaboração do calendário escolar das unidades estaduais. Dessa forma, embora não previsto no anuário letivo, a Seduc orienta que as escolas estaduais sigam a legislação e não realizem atividades nesta quarta-feira, 20.
A superintendente da Educação Básica da Seduc, Celestina Maria de Souza, explica que o calendário escolar não será prejudicado. “Os estudantes terão os 200 dias letivos conforme estabelece as normas da Lei de Diretrizes e Bases. O feriado da consciência negra será reposto em uma outra data a ser definida pela unidade escolar”, completou.
O titular da Seduc, Fábio Vaz, ainda lembra sobre o Poder Afro, projeto da Seduc voltado para a educação antirracista. “Sabemos a relevância da data para o Brasil e, principalmente, para o Tocantins. Com o Poder Afro temos trabalhado o tema ao longo do ano e entendemos que é primordial que tenhamos esse momento para reflexão e luta para uma pauta que é tão cara para nós”, pontuou.
As aulas retornam normalmente na quinta-feira, 21, em todas as escolas estaduais, conforme calendário escolar.