Até onde se sabe, o cão, quando picado por um mosquito palha infectado, é o principal hospedeiro do protozoário Leishmania Chagasi, que pode causar a leishmania visceral, ou calazar, como é mais conhecida. No entanto, conforme o professor Luiz Silveira, mestre em Ciência Animal e doutor em Medicina Veterinária, “os gatos podem se infectar por Leishmania e transmitir para o vetor (mosquito palha), mas ainda não foi definido sua relevância na manutenção da doença em humanos”.
Um estudo inédito no Tocantins sobre o assunto está em andamento na UFT Câmpus de Gurupi, região sul do Estado. De acordo com o professor Luiz Silveira, que coordena a pesquisa realizada por alunos graduandos em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, e uma pós-graduanda em Biotecnologia, com o apoio de três professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a ocorrência da infecção por leishmania em gatos pode ser bem grande. Silveira conta que um trabalho publicado em 2010 pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) revelou que 50% de gatos com qualquer lesão de pele, semelhante ou não aos da leishmaniose estavam infectados pelo protozoário leishmania chagasi, espécie causadora da forma visceral em humanos.
“O cão está principalmente relacionado com a forma visceral da doença, ele se infecta pela leishmania chagasi, depois que o vetor, mosquito palha, pica um cão saudável e esse cão passa a se tornar infectado e pode desenvolver a doença ou não. A partir do momento em que ele é infectado, se torna um reservatório, ou seja futuramente, pode um outro vetor picar esse cão doente e depois de sete dias, esse mosquito picar um humano e podendo transmitir a leishmania ou não”, esclarece Silveira.
“Quanto aos gatos já foi comprovado que eles podem se infectar por espécies de leishmania, inclusive a chagasis. Só que não está ainda muito bem estabelecido se esses gatos tem uma relevância epidemiológica. O que se sabe até o momento é que eles podem se infectar até com uma grande frequência e também que eles podem transmitir essa leishimania para o vetor, mas a transmissão para o humano ainda não está muito bem definido”, completou.
Em Gurupi, a pesquisa ainda está na fase inicial, que é a coleta de amostras de sangue e pele dos gatos do município. Cães também farão parte da pesquisa, com intuito de investigar as espécies de leishmania, além de comparar a quantidade de ocorrência tanto nos caninos quanto nos felinos. Inicialmente está sendo coletado material de 50 gatos e 50 cães. As próximas etapas serão realizadas em um laboratório da UFMG onde pesquisadores irão buscar DNA da leishmania nas amostras. Após receber o laudo dos exames, os dados serão publicados em uma revista científica.
Ainda conforme o professor são dois experimentos em andamento no campus de Gurupi, um deles tem o objetivo de detectar e identificar espécies de leishmania em gatos, errante ou domiciliados, e o segundo projeto visa identificar e padronizar uma técnica de diagnóstico “que possa ser usada amplamente na população, assim com existe hoje o ELISA para detectar leishmania em cães, a gente tem a intenção de desenvolver uma técnica que também possa identificar leishmania em gatos de uma forma mais fácil”.
Silveira acredita que conclusão da pesquisa traria um grande avanço para as políticas públicas de controle e prevenção da leishmaniose em humanos. Ele cita como exemplo, gatos com lesões de pele, como seborreia, que não é uma característica da leishmaniose, passam por veterinário e recebem tratamento para uma doença de pele comum, poderia estar infectado com calazar e passar despercebido.
Acadêmicos pesquisadores
A Acadêmica Tayná Eloyane Feitosa Barreto defende que a pesquisa é importante para a conscientização da população visto que “o estado do Tocantins apresenta muitos casos de leishmania e não se têm dados referentes as espécies encontradas aqui, nem sobre a relação de felinos com a doença”. Conforme a jovem pesquisadora, Gurupi tem uma média de 9% de mortes causadas pela Leishmaniose, enquanto que a média de todo o estado é 5,1%. ” Vale ressaltar ainda que os animais não são os transmissores diretos da doença, são apenas depósitos, quem transmite é o mosquito, por meio da picada”, concluiu.
Luiz Paulo Bueno Mourão, que também faz parte do grupo de pesquisadores, explanou que para ele o importante da pesquisa não seria somente o resultado, mas a influência que trará para a sociedade. “Nosso desejo é que acreditem na importância do nosso trabalho e consigamos investimento para ampliar essa pesquisa e contribuir para o controle da doença no estado e ajudar até a nível de Brasil”, expressou o jovem.
Uma das finalidades do estudo, segundo os pesquisadores, é que dependendo do resultado o material será cedido para o Ministério da Saúde ou da Agricultura com intuito de colaborar para as medidas de controle e prevenção da leishmaniose em humanos.
Desafio
Uma das dificuldades encontradas pelo professor e seus acadêmicos do grupo de pesquisa refere-se À estrutura do laboratório e apoio financeiro para ampliar o projeto. “A gente tem o experimento de grande importância não só para o estado quanto para o país, mas o processo é um pouco mais lento do que desejamos, porque o investimento é alto e por enquanto nosso laboratório está sem verba para agilizar esse processo. Estamos em busca de parceria com o poder público ou iniciativa privada para ampliarmos os nossos estudos”, disse o coordenador do projeto. A previsão é que a pesquisa seja concluída no próximo semestre deste ano. Veja trecho da entrevista com o coordenador da pesquisa.
A vendedora Diana Rodrigues, de 27 anos, comenta que é apaixonada pelos felinos domésticos, e torce para que os resultados da pesquisa não tenha impacto negativo. “Não quero que os gatos se tornem vilões da história, muitas pessoas não entendem que a culpa da doença não é do cão ou do gato, se for o caso, mas que nós é que precisamos cuidar dos nossos quintais para que os nossos bichinhos não sejam picados pelo mosquito que transmite a doença”, opinou a estudante.
Casos em Gurupi
O município de Gurupi abriga atualmente aproximadamente 3 mil gatos, conforme um levantamento feito pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ). A quantidade de cães é mais que o dobro desse número, chegando a pouco mais de 6.200 animais. Em 2016, o CCZ de Gurupi ganhou prêmio nacional pela redução do número de casos de Calazar na região.
No entanto em 2017, a história foi outra. Um levantamento feito por uma médica veterinária da cidade constatou que de 120 cães que passaram pelo teste rápido de calazar, 80 teriam dado positivo. Além disso, a morte de uma bebê de apenas dez meses e de uma mulher de 40 anos, vítimas da doença, deixou a população amedrontada.
O Portal Orla Notícias entrou em contato com o CCZ solicitando a quantidade de registros de cães infectados em 2017, mas o coordenador do órgão, Henrique Alencar, informou que o levantamento ainda está sendo feito. Alencar confirmou quem em Gurupi não se faz teste da doença em gatos.