Prédio escolar no Tocantins reformado com ajuda de alunos é eleito melhor do mundo

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Escola de Canuanã | Prédio escolar no Tocantins reformado com ajuda de alunos é eleito melhor do mundo

Projeto liderado por Marcelo Rosenbaum fez de colégio interno uma verdadeira escola-casa. Uma reforma inovadora proporcionou a uma escola-fazenda no interior do Tocantins o prêmio de “melhor edifício de arquitetura educacional do mundo” de 2018, outorgado pela Building of the Year.

Localizada na área rural de Formoso do Araguaia, a 320 quilômetros de Palmas, a Canuanã funciona em regime de internato, numa área de 2.549 hectares. Mantida pela Fundação Bradesco há 45 anos, a escola, com 830 matriculados, tem posto de saúde, equipe de costureiras, salão de beleza, estação própria de tratamento de esgoto, refeitório e, ainda, vista para o rio Javaés.

A instituição recebe crianças a partir de sete anos. A maior parte delas fica ali até concluir o ensino médio. Após o terceiro ano, há a opção de fazer uma especialização como técnico agropecuário. A taxa de evasão não chega a 2% ao ano —no país, o índice foi de 11% no ensino médio, entre 2014 e 2015.

As crianças têm rotina fixa desde que se levantam até a hora de ir para a cama. Nos fins de semana, podem visitar as famílias — assentados, de baixa renda, na maioria. Só 40 alunos são indígenas.

Em 2015, com uma estrutura de prédios ainda da década de 1970, a escola percebeu que precisaria reformar os dormitórios dos alunos na faixa dos 11 aos 18 anos (do 6º ao 9º ano do fundamental 2, do ensino médio e técnico). Os espaços abrigavam os estudantes em grupos de 80. A necessidade de mais privacidade era a maior demanda.

O projeto premiado resultou de um esforço coletivo que envolveu 60 alunos da escola, o instituto A Gente Transforma, o arquiteto Marcelo Rosenbaun e o escritório Aleph Zero. Foram redesenhadas as moradias de 540 crianças, divididas em dois prédios, para meninos e meninas.

Alunos se servindo no refeitório da escola.

Rosenbaum começou fazendo uma “imersão investigativa” para se aproximar da realidade dos internos e captar seus desejos para o espaço. Nessa fase, percebeu que as crianças entendiam os dormitórios como parte da escola, não como suas casas, apesar de viverem 24 horas por dia lá —durante anos.

“Falavam que moravam na escola. Não reconheciam Canuanã como sua morada”, diz Rosenbaum. “O projeto precisava trazer para eles a ideia de que Canuanã era a casa deles.

O profissional usou a metodologia do design essencial, que consiste na capacidade de perceber a cultura, de desvendar e dar voz aos valores e saberes essenciais locais. Naquele espaço, significou reconhecer o entorno da cultura cabocla e indígena.

“Fizemos um resgate dos saberes ancestrais que permeiam a cultura nativa, dos índios javaés que moram à frente da fazenda, das tecnologias aplicadas nas casas dos assentados, da convivência no cerrado, do calor da região. A partir daí, preparamos um processo de cocriação com eles, na segunda etapa”, conta o arquiteto.

Na fase seguinte, os alunos mergulharam com Rosenbaum na empreitada. Várias atividades guiaram os participantes nessa etapa. Michael Jackson Fernandes, 17, foi um dos internos que participaram do processo e ganhou seu nome na plaquinha fixada na entrada do dormitório masculino em Canuanã.

“Rosenbaum reuniu uma galera e pediu opiniões”, conta o estudante. Os meninos colocaram o que queriam no papel, desenharam, pediram, principalmente menos gente por espaço. “No dormitório coletivo tinha muito aluno convivendo junto”, afirma Michael Jackson.

Alunos do curso técnico em agropecuária auxiliando a ordenha mecânica, na escola-fazenda canuanã, em Formoso do Araguaia – TO

Para ele, o ponto mais importante da mudança foi a conquista da privacidade. A partir de então, o aluno pode não apenas escolher com quem vai morar durante o ano, mas também controlar melhor sua rotina: quando estudar, dormir ou conversar.

“Mudou muito. Antes a gente ficava com muitos, sem intimidade. Não era só com os próximos, como hoje, que ficamos em seis”, diz Michael Jackson. Na nova organização espacial, os alunos podem usar a sala de estudos a qualquer tempo. “Ficou melhor do que a gente esperava, com dois andares e muitas áreas de lazer. Bonito, diferente e organizado”, conta.

A diretora pedagógica, Gislaine Maciel, afirma que a reforma contribuiu para a mudança na dinâmica de relacionamento entre os alunos, com reflexo em todas as outras áreas.

“Uma coisa é um inspetor passar às 21h e falar que está na hora de dormir, e os 80 terem que ir dormir. Outra coisa sou eu e meus amigos falarmos ‘cara, a gente precisa dormir porque amanhã a gente vai acordar cedo’. A mudança que que tem reflexo na sala de aula é que esse aluno passa a ter tranquilidade para estudar no seu quarto, com sua bancada.”

A escolha dos materiais para a reforma levou em conta métodos construtivos e matérias-primas da região, entre eles: os tijolos de adobe, a madeira, o trançado da palha da casa do caboclo. Os grafismos indígenas posicionados nas portas dos dormitórios foram produzidos pelos índios javaés, da aldeia Kanoanã.

Montagem de fotos das portas dos dormitórios dos alunos, com grafismo produzidoss pelos indios javaés, da aldeia Kanoanã

Após a finalização do projeto dos dormitórios, a escola convidou os índios da aldeia São João para dançar no ginásio, com toda a comunidade escolar presente, como parte da celebração de entrega da obra.

Segundo o diretor da Canuanã, Ricardo Rehder, a ideia de usar os desenhos indígenas nas portas não só valoriza o que há na região, mas também mostra aos alunos não índios que esses povos têm uma “cultura extremamente forte que deve ser respeitada”.

Por ficarem internados em uma escola rural por 11 anos, muitos estudantes terminam o ensino médio sem saber lidar com questões como usar o caixa eletrônico, fazer comida ou lavar sua própria roupa, diz o diretor. Afastados da vida em cidades grandes, os internos da Canuanã conquistaram há apenas dois anos o acesso às redes sociais. Antes, a navegação na internet era totalmente restrita, controlada pelos professores.

Na visão do diretor, a escola às vezes, acaba sendo superprotetora. “Temos que dar algumas coisas prontas. Como eles vão fazer comida aqui? Não tem como, a gente tem que oferecer. Onde vão lavar roupa? Essa responsabilidade é nossa. Mas outras coisas, não. A gente errava, a gente queria proteger muito e não deixava eles resolverem problemas práticos. Não adianta fugir, o mundo é assim. ”

Eles visitam a capital, Palmas, na disciplina de estudos do meio, para conhecer pontos turísticos, ir ao cinema, ao shopping e perceber como é a vida urbana.

Andressa Martins, 19 anos e há 12 vivendo em Canuanã, está quase se despedindo da escola. Para ela, a experiência foi maravilhosa.

“Estou fazendo o ensino técnico para me profissionalizar mais um pouco, mas tenho medo de sair daqui e não conseguir nada. Estou bem nervosa com o final do ano, mas também empolgada para começar essa nova etapa. Acompanhei toda a mudança da escola, dos computadores antigos até a liberação da internet. Hoje a gente tem um leque de materiais e especialidades. O aluno só não sai daqui especializado se ele não quiser. ”

O plano da estudante é trabalhar e juntar dinheiro para só então prestar vestibular. Estou em dúvida entre cursar agronomia ou veterinária. Quero ficar, estudar e trabalhar por aqui, se precisar sair do estado, eu saio, mas se tiver oportunidade quero voltar para cá e morar perto de Canuanã”, diz.

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